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A Insustentável Leveza do Ser – Milan Kundera

 


Isa Ueda

Essa foi minha primeira leitura do escritor tcheco, e foi arrebatadora! Pergunto-me: o que me impediu de ler esse livro antes? Afinal, já havia namorado a capa e o título várias vezes nas livrarias. Como que eu nunca havia sequer lido a sinopse? Por quê? A resposta, creio, é bem simples. Imaginava que seria algo complexo demais, e que estava acima das minhas capacidades.

Como a gente se subestima, não é mesmo? Que bom que ganhei ele de presente, pois se dependesse só de mim, acredito que levaria ainda muito mais tempo para eu o ler.


LIVRO VENDIDO


Sinopse:

“Lançado em 1982, este romance foi logo traduzido  para mais de trinta línguas e editado em inúmeros países. Hoje, tantos anos depois de sua publicação, ele ocupa um lugar próprio na história das literaturas universais: é um livro em que o desenvolvimento dos enredos erótico-amorosos conjuga-se com extrema felicidade à descrição de um tempo histórico politicamente opressivo e à reflexão sobre a existência humana como um enigma que resiste à decifração — o que lhe dá um interesse sempre renovado.

Quatro personagens protagonizam essa história: Tereza e Tomas, Sabina e Franz. Por força de suas escolhas ou por interferência do acaso, cada um deles experimenta, à sua maneira, o peso insustentável que baliza a vida, esse permanente exercício de reconhecer a opressão e de tentar amenizá-la.”


 Minhas impressões: 

Uma das maravilhas desse livro é, justamente, a simplicidade com que Kundera aborda suas profundas e filosóficas reflexões sobre a existência humana e a vida. E, ao mesmo tempo, é um livro tão denso que creio ser mais difícil fazer uma análise boa e precisa dele que faça jus à agradável experiência de sua leitura.

Numa linguagem surpreendentemente acessível, Kundera desenvolve a história de seus personagens com poderosas considerações de cunho filosófico desde a primeira página do romance!

Tudo começa com o narrador expondo o mito do “eterno retorno” de Nietzsche, pelo qual, grosso modo, a repetição eterna de um determinado evento o tornaria algo de um peso insustentável. Partindo-se dessa ideia, por negação, como determinado evento não se repete indefinidamente, ele ganha uma leveza ante seu caráter efêmero. “Como condenar o que é efêmero?”:


“Se a Revolução Francesa devesse se repetir eternamente, a historiografia francesa se mostraria menos orgulhosa de Robespierre. Mas como ela trata de algo que não voltará, os anos sangrentos não passam de palavras, teorias, discussões, são mais leves que uma pluma, já não provocam medo. Existe uma diferença infinita entre um Robespierre que apareceu uma só vez na história e um Robespierre que voltaria eternamente para cortar a cabeça dos franceses”. p. 9


Percebem a ideia? E é do narrador, mais que onisciente, que partem inúmeras reflexões de caráter existencialista ao longo de todo o livro. O cotidiano dos personagens narrado em meio a tantas divagações é claramente utilizado por Kundera para ganhar mais atenção do leitor, o que funciona de uma forma incrível.


O romance, a história em si, trata-se de uma  narrativa mais lenta, que não necessariamente segue o tempo numa linha reta. Tem, também, como contexto e marco temporal a “Primavera de Praga”, em 1968, época em que a Tchecoslováquia vivia sob o regime autoritário da União Soviética. Há, portanto, um cenário político naturalmente opressivo aos personagens, que corrobora mais ainda as reflexões do narrador. Além da opressão de um regime autoritário, os personagens, cada um à sua maneira, vivencia pessoalmente algum tipo de opressão. Tomas é um libertino, para quem amor e sexo não estão interligados, mas eventualmente se casa com Tereza, que é uma mulher dependente. Sabina é uma das amigas “eróticas” de Tomas, e é tudo que Tereza não é: livre, dona de si, independente e sem amarras em questões de sentimentalismo. Em um outro momento de sua vida, na Suíça, já longe de Tomas, ela vem a se relacionar com outro homem, que é Franz, que também é o completo oposto de Tomas.

No livro, percebe-se a dualidade como um elemento essencial da narrativa, e isso também reforça os pensamentos do narrador, sobretudo quanto à questão do “peso”. A leveza e peso são qualidades opostas entre si. A discussão, porém, se dá quanto à proposta de indicar qual deles é negativo e qual deles é positivo. Para Parmênides, o peso é negativo, mas, para Beethoven, o peso seria algo positivo. Aliás, foi depois de ler esse livro que os diálogos entre Beethoven e Elise no filme “Minha Amada Imortal” (1994) ganhou um significado todo novo para mim: “Tem que ser assim? // Tem que ser assim.”


Assim, juntamente a essas considerações e a exposição dos relacionamentos dos quatro personagens, o narrador tece um longo e impressionante diálogo existencialista com o leitor, com muita bagagem filosófica e uma sagacidade incrível de Kundera.

Este livro é também uma fonte inesgotável de ótimas citações e um livro de questões complexas que, apesar de seu desembaraço, merece inúmeras releituras. No momento, estou persuadindo meu marido a lê-lo, para que possamos conversar sobre essa maravilhosa obra do clássico moderno.

Alguém mais já leu esse livro? Vamos conversar mais sobre ele?


Informações adicionais sobre o livro:

Livro de bolso: 312 páginas

Editora: Companhia de Bolso; Edição: de Bolso (4 de julho de 2008)

ISBN-10: 9788535912517 – ISBN-13: 978-8535912517

Título Original: Nesnesitelná Lehkost Bytí

Tradução autorizada pelo autor, com base na versão francesa de François Kérel



Texto publicado e disponível em: https://percursosliterariosblog.com/2018/10/18/resenha-a-insustentavel-leveza-do-ser-milan-kundera/, visitado em 14/09/2021 às 23h22


Comentários

  1. Eu li este livro já faz algum tempo.
    É muito emocionante por causa dessa busca do si-mesmo. Do ser. Me emocionei algumas vezes, porque somos levados pelo ritmo de sua simplicidade, a nos vermos ali.
    Sugiro a sua leitura. A PALAVRAS (O)USADAS - Comércio de Livros Novos e Usados ainda tem dele. Peça o seu.

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